ONU MULHERES : Testemunhos históricos, pontos de vista diversos sobre a organização política das mulheres negras nos últimos 30 anos e análises da conjuntura por ativistas de diferentes gerações marcaram o Fórum Permanente de Mulheres Negras ocorrido no Fórum Social Mundial Social 2018, em 14 e 15 de março, em Salvador (BA).
Cerca de 200 ativistas avaliaram a articulação política e as áreas de incidência contra o racismo, o sexismo e outras formas de opressão, protagonizados pelas mulheres negras no Brasil e na América Latina e Caribe. O relato é da ONU Mulheres.
Plenária fez propostas de organização do Encontro Nacional Mulheres Negras 30 Anos. Foto: ONU Mulheres/Isabel Clavelin
Testemunhos históricos, pontos de vista diversos sobre a organização política das mulheres negras nos últimos 30 anos e análises da conjuntura por ativistas de diferentes gerações marcaram o Fórum Permanente de Mulheres Negras ocorrido no Fórum Social Mundial Social 2018, em 14 e 15 de março, em Salvador (BA).
Cerca de 200 ativistas avaliaram a articulação política e as áreas de incidência contra o racismo, o sexismo e outras formas de opressão, protagonizados pelas mulheres negras no Brasil e na América Latina e Caribe. As atividades foram organizadas por ativistas negras e tiveram o apoio da ONU Mulheres Brasil e da Embaixada do Reino dos Países Baixos, como parte da programação do Março Mês das Mulheres.
Entre os acordos fechados no fórum, estão a realização de encontro nacional alusivo aos 30 anos de mobilização contemporânea do movimento de mulheres negras no Brasil, a ser realizado em Goiânia (GO) em dezembro, e apoio ao tema “Igualdade e Empoderamento das Mulheres Negras” na 63ª Sessão da Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres (CSW63).
Também foram aprovadas moções de repúdio ao assassinato da vereadora Marielle Franco e à violência contra estudantes negros nas manifestações contrárias às mudanças no sistema de cotas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Outra ação de destaque das ativistas no Fórum Social Mundial foi a Marcha das Mulheres Negras nas ruas de Salvador.
Incidência política no Brasil
A história revisitada por diferentes visões foi a abordagem dos painéis “Avaliação dos 30 anos de organização do movimento de mulheres negras contemporâneo: do 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras à Marcha de 2015″.
Graça Santos, da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno, registrou sua volta à atuação política no processo da Marcha de 2015 e resgatou o início da sua militância, nos anos 1980, no processo de redemocratização do país.
“A Convenção Nacional do Negro e a Constituinte reuniram o movimento negro, em 1986, para levar reivindicações aos constituintes. Conseguimos colocar o racismo como crime inafiançável e garantir título de propriedade para comunidades remanescentes de quilombos na Constituição Federal, uma proposta que foi trazida por quilombolas do Pará”, lembrou Graça.
Benilda Brito, do Odara Instituto da Mulher Negra e ex-membra do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil da ONU Mulheres, salientou: “rever 30 anos é muita ousadia, é muita resiliência, é muita coragem”. “A gente está vindo aqui denunciar um cenário político. Historicamente, nós, mulheres negras, sempre estivemos em movimento. Em lugares de denúncias. Em lugares de embates. Em lugares políticos, como irmandades, terreiros, universidades ou espaços políticos”.
A ativista lembrou que o ano de 2018 traz uma série de agendas: 130 anos da Abolição da Escravatura, 80 anos do voto feminino, 30 anos da Constituição Federal, 40 anos do Movimento Negro Unificado (MNU). “Quero lembrar, ainda, a Década Internacional de Afrodescendentes, que não veio à toa. Essa proposta da ONU, do 50-50 [iniciativa global da ONU Mulheres pela paridade de gênero no contexto da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável] também é importante para nós”, salientou.
A historiadora Wânia Sant’Anna recuperou o trabalho da comissão organizadora do 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras, de 1988, da qual fez parte, e o processo de conflitos com os movimentos feminista e negro à organização política do movimento de mulheres negras.
“Ter incidência no movimento feminista branco não foi tarefa fácil. Nós, mulheres negras, éramos poucas, éramos companheiras, tínhamos divergências, mas chegávamos juntas. Foi por isso que tivemos um encontro nacional de mulheres negras. Teve compromisso. E vai ter unidade na luta conosco”, ponderou.
Também presente no 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras, em 1988, a deputada federal Benedita da Silva assinalou a atuação histórica das mulheres negras contra o racismo e o machismo.
“Quero falar da mulher negra da favela, da mulher negra que vê o seu filho morrendo a cada dia na mão da polícia, que vê o seu filho falecendo pelas drogas. Eu escolhi as mulheres da favela porque elas ajudaram a construir esse momento. São anos de desafio de raça, mas também de classe e de gênero”, disse a deputada.
Juventude negra
Mulheres negras jovens também se somaram ao debate e estão na organização do Encontro Nacional de Mulheres Negras 30 anos. Ana Paula Rosário, da Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas, comentou: “é muito importante que a gente faça essa reflexão e essa memória dos 30 anos do encontro de mulheres negras, porque a gente percebe o quanto a gente avançou e o quanto que a gente está retrocedendo agora”.
“A gente percebe o silenciamento do Estado em relação às mortes do jovens negros, onde os nossos corpos negros são violentados. Nós, jovens negras, viemos com essa força para fazer essas denúncias.”
No segundo dia do Fórum Permanente de Mulheres Negras, aconteceram ato em memória da vereadora Marielle Franco, assassinada na noite de 14 de março, painel “A Conjuntura Política de Mulheres Negras no Brasil, América Latina e Caribe” e plenária de votação do Encontro Nacional Mulheres Negras 30 Anos.
Incidência internacional
Eunice Borges, associada de programas da ONU Mulheres Brasil, foi uma das painelistas e manifestou o compromisso da entidade com a mobilização das ativistas por meio do apoio à incidência em fóruns nacionais e internacionais, como a CSW, e o diálogo estabelecido com as organizações engajadas na Marcha das Mulheres Negras, de 2015, e, mais recentemente, com o Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030.
Borges iniciou a sua fala com a leitura de mensagem de pesar do Sistema das Nações Unidas no Brasil pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e, em seguida, reafirmou o compromisso da Organização com os direitos humanos.
Interseccionalidade nas agendas da ONU
Eunice Borges mencionou as agendas para fazer o debate sobre interseccionalidade nas Nações Unidas. “A ONU e os Estados-membros assumiram o compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e de não deixar ninguém para trás”.
“Para isso, as mulheres negras e as mulheres indígenas são prioridade para o nosso trabalho. Teremos aí ODS+5, Pequim+25 e Década Afro+5, que são oportunidades para reforçar a pauta, redobrar o debate e colocar como temas centrais o empoderamento de mulheres negras e de mulheres indígenas”, afirmou Borges.
Eunice acrescentou que é “central a interseccionalidade na resposta dos ODS e na implementação da Década”. “Por isso, não há outra forma de fazer o trabalho a não ser com a abordagem de gênero, raça e etnia”, disse.
Durante sua apresentação, Borges chamou atenção do público para o lançamento da publicação “Mulheres e Meninas Afrodescendentes – Conquistas e Desafios de Direitos Humanos”, produzida pelo Escritório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH) sobre a Década Internacional de Afrodescendentes e traduzida para o Português por iniciativa do Grupo Temático de Gênero, Raça e Etnia da ONU Brasil.
Presente no Fórum Permanente de Mulheres Negras, o cônsul da Embaixada Reino dos Países Baixos, Egbert Hein Bloemsma, frisou o compromisso da Holanda com os direitos humanos e a promoção da igualdade de gênero, incentivando o público a participar da seleção anual de projetos.
“O Fórum Social Mundial é um ótimo momento para participarmos e apoiarmos o movimento de mulheres negras. A embaixada apoia projetos que combatem a desigualdade contra mulheres negras no Brasil e na América Latina e Caribe. O nosso foco está na liberdade de expressão, principalmente para defensoras de direitos humanos, igualdade para o grupo LGBTI e igualdade para as mulheres”, considerou.
Plenária
A última atividade do Fórum Permanente de Mulheres Negras foi a realização de plenária de votação para a realização de Encontro Nacional de Mulheres Negras, a qual foi coordenada pela Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras, Articulação Nacional de Mulheres Negras Jovens Feministas, Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas e Movimento Negro Unificado.
Regina Adami, do Comitê Nacional Impulsor da Marcha das Mulheres Negras, pela AMNB, e membra do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, sugeriu que os estados realizem encontros estaduais até agosto como parte do processo de organização do Encontro Nacional de Mulheres Negras 30 Anos.
“E que no final do nosso encontro, tenhamos uma carta à nação brasileira de que país nós queremos, de que perspectiva olhamos o mundo. Estamos juntas e seguindo em marcha. Estaremos por nossa própria conta. Nossos encontros serão viabilizados por nós, como foi há 30 anos e na Marcha das Mulheres Negras”, completou.
A proposta de Goiânia ser a sede do Encontro Nacional de Mulheres Negras 30 Anos foi feita pelo Movimento Negro Unificado (MNU). Ivana Leal, coordenadora de Mulheres do MNU, registrou os 40 anos da entidade.
“Vamos caminhar para o Mulheres Negras+30, tendo a Marcha como nosso espelho de organização, que foi positiva. Não teve centralismo, mas organização a partir da característica de cada estado. A gente coloca Goiânia à disposição, onde é a sede nacional do MNU.”
“Neste ano, o MNU completa 40 anos e queremos fazer a comemoração dos passos dados por Lélia Gonzalez e Luiza Bairros, garantindo a estrutura para que o encontro aconteça da melhor forma possível”, incrementou.
Creuza Oliveira, da Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas e membra do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, salientou a importância do encontro.
“A gente fez parte da organização da Marcha de Mulheres Negras, de 2015. Foi um momento histórico. É importante organizar o Encontro Nacional Mulheres Negras+30 até porque estamos com a agenda Planeta 50-50 até 2030 [interlocução com as Nações Unidas para fazer avançar ações e resultados sobre a resposta do Brasil aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com foco em gênero e raça]. Eu acho que é importante a gente estar nessa discussão das mulheres negras”, enfatizou.
Mulheres Negras no #FSM2018
O Fórum Permanente de Mulheres Negras foi uma realização das entidades mobilizadoras da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, sendo organizada pelo Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 e pela Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras.
As atividades tiveram o apoio da ONU Mulheres Brasil – no âmbito da estratégia de comunicação e advocacy Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 –, e da Embaixada do Reino dos Países Baixos, como parte da programação da ONU Mulheres no Março Mês das Mulheres.